Agora, neste exato momento, o que realmente importa pra ela é: lembrar dos detalhes daquele dia. O tal dia que conseguiu enxergar o que não podia ver. Traduzir o que é invisível aos olhos humanos.
Ela gostava do estado sobrenatural e rosa fluorescente de estar apaixonada. Flutuar com pés no chão, se pegar rindo à toa, rir por nada... esse tipo de coisa. E foi o que aconteceu naquele dia. Repentinamente o amor se instalou em seu peito e ela passou a amar tudo ao seu redor. Amar o engarrafamento que lhe atrasava, amar o moço vendedor de paçocas, amar a ventania que passava e transformava seus cabelos em ninho de passarinho. Amar a abelha que não abandonava o seu cappuccino. A vida passou a existir com perfeição. Descobriu que as coisas não acontecem por acaso, já que pra viver essa alegria de amar o nada, tudo precisou existir. E pôde, por alguns minutos, experimentar o encaixe perfeito com o mundo.
Chegando em casa, ela encheu o peito de ar, expirou e inspirou delicadamente. Ainda lhe faltava ar. Repetiu a sequência com calma, até se sentir um pouco aliviada do impacto com a felicidade inesperada. Não estava acostumada com alegria repentina. E como quem se liberta de um estado sufocante, ela permitiu o corpo a viver o que queria.
Presenciei esse momento.
Estava uma noite quente, com cheiro de floresta molhada. Havia uma fresta na janela do seu quarto, onde passava um pouco de luz que vinha da casa vizinha. E foi simples. - Brotou do centro da sua alma, deu várias voltas no estômago, subiu pela espinha dorsal , enrolou-se como um nó na garganta, e se concretizaram em lágrimas salgadas e densas. Percorreram gentilmente por suas bochechas lisas até se aconchegarem sublimes em seus seios.
Ela riu. E chorou. E riu de novo.
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